Nota de repúdio ao presidente da Fundação Palmares

O Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos (CEPAIA), órgão suplementar da Universidade do Estado da Bahia, que tem como função promover o estudo, a pesquisa e a formação sobre as populações negras e indígenas do Brasil e das Américas, desenvolvendo atividades com o propósito de incentivar a produção científica e cultural, direcionadas e desenvolvidas por estudantes, professores e profissionais técnicos, sempre buscando sinalizar para a sociedade as necessárias e indispensáveis AÇÕES AFIRMATIVAS, “políticas públicas de reparação”, para alguns estratos sociais historicamente negligenciados, entre eles a comunidade negra e indígena, para minimamente reparar os direitos que lhes foram sonegados ao longo de alguns séculos, aqui no Brasil, um país cujos dados demonstram ser institucionalmente, estruturalmente e culturalmente racista e que mantém, até os dias atuais, uma nefasta segregação racial e marginalização destes povos acima mencionados. Dito isto, o CEPAIA vem publicamente repudiar as falas e condutas do atual presidente da Fundação Palmares, Sr. Sérgio Camargo, especificamente as relativas ao Movimento Negro, a uma Mãe de Santo e às religiões de matriz africana, conforme amplamente divulgados em diversos setores da imprensa no decorrer desta semana, falas estas indignas de reprodução.

A direção do CEPAIA, os professores e grupos de pesquisa vinculados ao centro e toda sua equipe funcional, de forma suasória, vêm empreendendo esforços para implementar, cada vez mais, ações que lhes permitam,  a partir de pesquisa e das atividades de extensão, com foco na cultura africana, contribuir para desenvolver e fomentar uma formação avançada e de excelência nas ciências sociais e nas humanidades, dentro da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e na sociedade baiana, como um todo. Para tanto, tem desenvolvido e promovido uma abordagem das questões étnicas e raciais, de forma inter e transdisciplinar, que contribui para a construção de uma sociedade mais dinâmica, crítica, reflexiva, inclusiva e substancialmente igualitária. De modo que vemos com grande pesar a conduta e as falas de Sérgio Camargo, “vomitando” um preconceito criminoso para com os movimentos sociais que tanto contribuíram para o resgate da identidade, cultura e autoestima do povo preto, bem como exercerem e exercem significativo papel social na aprovação de diversas leis que contribuem para o combate ao racismo e diminuição das desigualdades incontroversas e inquestionáveis.

O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, empreende um linguajar chulo, de baixo nível e inapropriado para a dignidade e liturgia do cargo que ocupa, atuando de forma racista e injuriosa em relação às pessoas que cultuam religiões de matriz africana, agindo como elemento fomentador de mais intolerância e violência, que já correm em níveis alarmantes e inaceitáveis para qualquer ambiente democrático que minimamente prese pela civilidade.

A conduta de Sérgio Camargo, ao delimitar como critério de exclusão ser da religião de matriz africana para receber recursos ou benefícios públicos, apenas baseado em sua opinião, além de nítida violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, viola também os fundamentos de nossa República, especialmente a cláusula de não discriminação, prevista no inciso IV do art. 3º da Constituição, que impõe a todo cidadão, mas  especialmente aos gestores públicos, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Contudo, o Sr. Sérgio Camargo, demonstra nítido desprezo à dignidade da pessoa humana, esculpida como fundamento constitucional no inciso III do art. 1º de nossa Carta Magna, se denunciando como alguém totalmente despreparado para ocupar um cargo de chefia na estrutura do Estado.

As malfadadas e odiosas falas do atual presidente da Fundação Palmares indicam que este atua deliberadamente contra a finalidade para qual a mesma foi criada, que é promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira, conforme prevê o art. 1ª caput da Lei nº 7.668/88, sendo as religiões de matriz africana, “ele goste e cultue ou não”, um destes entes da influência negra em nosso país.

O CEPAIA se solidariza com todas as pessoas diretamente atingidas pelas falas impublicáveis, ao tempo que manifesta apoio ao Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes), que enviou uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) acusando o presidente da Fundação Palmares de ter cometido crime de racismo, para o qual a lei, que prevê reclusão de um a três anos por “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Acreditamos nas instituições democraticamente constituídas e esperamos que o Ministério Público Federal instaure um inquérito para investigar tais condutas reprováveis, bem como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) promova o afastamento de Sérgio Camargo por meio de um Mandado de Segurança Coletivo, interposto naquela corte para tal finalidade, para que no curso da investigação, assim como ao seu final, a Fundação Palmares possa cumprir seus objetivos: promover e valorizar a memória, identidade e religiosidade do povo preto, de forma isenta de ideologias e idiossincrasias de cunho intolerantes, preconceituosas e repugnáveis.

Salvador, 05 de junho de 2020

Marcelo Pinto da Silva
Diretor do CEPAIA
Portaria UNEB nº. 224/2018