Em meio à pandemia, calouros e pré-vestibulandos são duplamente atingidos pela ansiedade

 

Elane Dantas (foto destaque) é a mais nova estudante do curso de Pedagogia do Campus I da UNEB, em Salvador. Cheia de expectativas para iniciar os estudos na graduação, os seus planos foram diretamente impactados pela pandemia da Covid-19.

Isso porque, desde o último mês de março, as atividades administrativas e acadêmicas presenciais estão suspensas na universidade, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), das autoridades sanitárias e das comissões constituídas institucionalmente.

Elane Dantas: preocupação, alívio e ansiedade

“É uma mistura de emoções: preocupação pelo atraso, alívio por não estar em aglomeração e ansiedade por não saber quando vai começar. O que me conforta é saber que estou matriculada”, relata a jovem, de 19 anos.

A mesma situação tem sido vivenciada pelos também aprovados no Vestibular UNEB 2020 e pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu), do Ministério da Educação (MEC), para os dois semestres letivos deste ano, que aguardam o retorno das convocações para matrícula (veja nota sobre a situação).

De acordo com a professora Sueli Barros, do curso de Psicologia da UNEB, o período de pré-vestibular e início das atividades na universidade se configuram como momentos de transição psicossocial muito significativos, sobretudo, nas atuais circunstâncias, com as incertezas da pandemia. 

“Devemos lembrar que ansiedade é saudável quando sustenta uma reação adaptativa, ou até mesmo criativa, frente à situação de mudanças ou desafios. Mas, quando seu nível está fora do limiar, ela aciona um estado de alerta no sistema nervoso, que pode gerar uma atitude de estagnação, de luta ou de fuga, acompanhada por muita tensão e mal-estar”, explica a pesquisadora.

A existência dos impactos negativos se torna ainda mais preocupante com as informações do último relatório do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa, em inglês). No qual o Brasil ficou na segunda posição quando o assunto foi ansiedade dos jovens antes da realização de provas. Participaram cerca de 540 mil alunos, de 72 países.

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Resiliência e perseverança 

Para Elane, o período de pré-vestibular também não foi nada fácil. Concluinte do nível médio em escola da rede pública, precisou deixar de frequentar, em 2018, as atividades do curso pré-vestibular Universidade para Todos (UPT/UNEB), o que acabou por adiar o sonho de cursar Pedagogia, avalia.

Já em 2019, as dificuldades foram sendo gradualmente superadas e ela conseguiu frequentar as atividades do projeto. “Já trabalhava, custeava o meu transporte e fazia de tudo para economizar e não faltar nenhum dia. Os monitores do UPT também me motivaram muito. Me senti muito confiante desde o dia em que fui fazer o vestibular. Depois continuei pensando positivo”.

Sueli Barros: ansiedade pode ser saudável ou levar ao mal-estar

Segundo a professora Sueli, o jovem que não conquista a aprovação na primeira tentativa, tende a “ser culpabilizado e é envolvido pela ideologia de meritocracia. Esses fatores impactam na autoestima, pois se considera inferior àqueles privilegiados por uma educação de maior qualidade”.

Frente a esse conflito, a pesquisadora explica que o estudante tende a estudar além do seu limite, para dar conta das “lacunas” educacionais, ou até mesmo a desistir de novas oportunidades. “Ambas as atitudes podem desencadear exaustão ou sintomas depressivos, que afetam a saúde mental”, sinaliza.

Atenta aos anseios de concluintes e egressos do nível médio da rede pública, a professora Simone Wanderley, coordenadora geral do projeto Universidade para Todos na UNEB (UPT/UNEB), os convida diariamente para participar das atividades da plataforma preparatória UPT/UNEB – Estude em Casa (Durante o Distanciamento Social), que é online, gratuita e aberta.

“Elane é um orgulho para nós. Muitos dos nossos alunos têm conseguido o ingresso na educação superior. Estamos trabalhando bastante para auxiliar a todos nessa preparação para os exames e processos seletivos, através da plataforma. Não desistam, acreditamos no potencial de todos. O lugar de vocês é na universidade”, destaca a gestora.

O “Estude em Casa” conta com videoaulas e lives semanais, além de conteúdos selecionados para orientação dos esforços preparatórios de pré-vestibulandos. Ainda sem calendário definido para as atividades regulares em 2020, a coordenadora registra que todos os esforços para viabilizar ações através de mediação tecnológica e, posteriormente, na modalidade presencial estão sendo promovidos.

Outra opção formativa disponibilizada pela UNEB, para as comunidades externas e interna, são os  Cursos Livres Online (CLOn). Eles foram concebidos a partir da perspectiva dos MOOC (Massive Open Online Course), e possuem como características serem gratuitos, sem tutoria, com metodologia interativa e colaborativa. Os participantes que concluírem as atividades são certificados.

Realização de um sonho

Assim como Elane não desistiu, o jovem Cleiton Teixeira continua a insistir no sonho de ingressar na graduação em Odontologia ou Enfermagem. Para a segunda opção, ele mira o curso ofertado pelo Campus XX da UNEB, em Brumado.

Simone Wanderley: “O lugar de vocês é na universidade”

Também egresso da rede pública, o brumadense já participou do estágio de nível médio em setores administrativos na instituição e, após a experiência, avalia que é “uma universidade de grande porte, muito profissional. Para as minhas pretensões profissionais é uma ótima alternativa”.

Aos 19 anos, ele já realizou o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e prestou vestibular. Mas, neste ano, precisou passar por maior dose de apreensão neste período de preparação, por conta da incerteza sobre a data de aplicação das provas, por conta também da pandemia.

“Associada a todos os outros fatores que compõem a pandemia da Covid-19, essa indecisão sobre o ENEM provocou um estado de alerta nos estudantes, sobretudo, frente à indeterminação entre o tempo de seus estudos e o de realização das provas, assim, alguns mecanismos de defesa foram acionados”, frisa professora Sueli.

Os impactos podem ser sobre o funcionamento psicossomático: distúrbios de sono, alimentação, dores corporais, déficit de atenção e falta de vitalidade. Ou de ordem psíquica: pelo medo de não dar conta dos conteúdos, de não ter tecnologias de informação e comunicação suficientes para acompanhar as atividades remotas, pela perda da socialização presencial e da noção espaço-tempo que a incerteza acentua.

“Todos esses impactos influenciam na motivação e nas metas de estudos dos jovens, que acabam ficando desfocados até mesmo nas redes sociais, onde deveriam encontrar com seus pares e partilhar essas emoções e dificuldades”, ressalta a pesquisadora.

Cleiton Teixeira: futuro odontólogo ou enfermeiro

Dicas e estratégias

Em busca de auxiliar suas famílias e de avançar em projetos nas diferentes áreas das vidas, ambos os jovens trabalham presencialmente. Outro fator de estresse e ansiedade, segundo a professora Sueli.

“A pessoa que está presencialmente no seu trabalho enfrenta dois monstros. O medo, que é uma reação frente a um perigo real de se contaminar e aos outros, de perder um ente querido, de perder o emprego. E o outro monstro é a própria ansiedade, que dispara defesas contra situações que podem, ou não, ocorrer. Esse duplo enfrentamento pode gerar dificuldades para criar recursos de autorregulação”, salienta a psicóloga.

As estratégias dos dois para enfrentamento da situação são também muito parecidas. A manutenção dos estudos preparatórios para o ENEM e os vestibulares, no caso de Cleiton, e a participação em cursos de extensão e a leitura de materiais do curso de Pedagogia, para Elane. Além disso, filmes, séries e muitas playlists de música.

Todas essas ações são incentivadas por Sueli, por serem de “autocuidado”. A alimentação saudável e um horário regular de sono também estão entre as dicas, para evitar cansaço, mau humor e ajudar na concentração, na memória e no raciocínio.

Ela ainda sugere que o café ou outras substâncias psicoativas sejam evitadas antes de deitar para dormir. Assim como a meditação, a dança, a automassagem e a respiração diafragmática também são indicadas: “são recursos autorreguladores para lidar com a ansiedade, que ajuda a liberar as tensões, aumentar a vitalidade e a conectar-se com as emoções e, assim, sentir-se mais presente no aqui-agora”.

Nas últimas quarta e quinta-feira (29 e 30), o Conselho Universitário da UNEB, instância máxima deliberativa da instituição, aprovou o Documento Referencial para o desenvolvimento das ações no ensino de graduação e pós-graduação, na pesquisa, na extensão, frente à pandemia da Covid-19.

O referido documento prevê a realização de diagnóstico junto à comunidade acadêmica, quanto às condições de acessibilidade e conectividade, para a deliberação de qual oferta poderá ser realizada para os estudantes neste período pandêmico.

Fotos: Acervos Pessoais