A Assessoria de Comunicação (Ascom) da UNEB conversou com a pesquisadora Lennize Pereira Paulo, professora associada da Faculdade de Medicina e da Universidade de Pacientes, da Sorbonne Universidade, na França.
A docente trabalha com educação de adultos há 25 anos e, mais especificamente, com pessoas que vivem com doenças crônicas e profissionais de saúde. Lennize colaborou para criação da Universidade de Pacientes – Sorbonne Universidade (UdP-Sorbonne) com sua fundadora Catherine Tourette-Turgis.
No último dia 13 de agosto, a cientista esteve no Campus I da UNEB, em Salvador, para proferir a conferência de abertura do semestre letivo 2024.2 do Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) da universidade. A palestra teve como tema “Reconhecer a experiência e a expertise do doente: a universidade dos pacientes”.
Nesse bate-papo, a pesquisadora nos convida a conhecer como surgiu o projeto Universidade de Pacientes, de que forma a iniciativa se diferencia das outras ações voltadas para a educação em saúde e quais são as metodologias pedagógicas utilizadas para garantir que o aprendizado seja eficaz e envolvente para os/as estudantes pacientes.
Assessoria de Comunicação (Ascom): O que é a Universidade de Pacientes – Sorbonne e como surgiu a ideia desse projeto inovador?
Lennize Pereira Paulo: A Universidade de Pacientes é uma iniciativa inovadora que traz para a universidade a experiência da doença como um legado, uma proposta que acrescenta ao ser humano toda uma nova versão, apresenta uma parte do que o ser humano é capaz de produzir em situações de vulnerabilidade, além de reconhecer essa vivência como parte integrante da experiência humana e, portanto, que merece ser reconhecida.
A Faculdade de Medicina da Universidade Sorbonne foi o primeiro estabelecimento de ensino superior a abrigar uma Universidade de Pacientes. A ideia de uma Universidade de Pacientes veio da ideia da pesquisadora Catherine Tourette-Turgis, em 1997, quando ela acompanhava pacientes com AIDS que tinham se preparado para morrer e que, com a chegada das terapias triplas, se viram confrontados com o difícil retorno à saúde. Eles precisavam de um lugar onde pudessem ter suas experiências reconhecidas, pois haviam perdido tudo.
Ascom: Qual o principal objetivo da Universidade de Pacientes e como ela se diferencia de outras iniciativas voltadas para educação em saúde?
Lennize Pareira Paulo: A UdP-Sorbonne atende a uma demanda das pessoas que vivem com uma doença crônica e desejam mobilizar sua experiência e compartilhar seus conhecimentos com a comunidade no campo da saúde, da formação ou em qualquer área na qual possam aplicar suas competências adquiridas. A UdP-Sorbonne também atende a uma necessidade das instituições, associações e organizações que trabalham no campo da saúde e desejam adaptar suas práticas aos princípios da democracia participativa em saúde.
O principal objetivo da Universidade dos Pacientes é reconhecer o saber da experiência como sendo um saber válido e merecendo o seu reconhecimento, no nível que a sociedade põe em mais alta instância do saber que é a universidade. A Universidade dos Pacientes nasceu da ideia de que o que as pessoas desenvolvem na experiência de vida quando têm uma doença crônica precisam ter um reconhecimento em termos de diploma ou de qualificação, que sirvam para o currículo delas, que sirvam para aumentar a entrada delas na sociedade ou no trabalho ou na reconversão profissional. Então, o objetivo da Universidade dos Pacientes é também mudar a visão de mundo em termos do que é ser doente, do que é o ser humano conviver com uma doença, mas também ajudar o mundo da saúde a reconhecer e crescer para eles e para outros.
Ascom: Como os pacientes são selecionados para participar dos programas da Universidade dos Pacientes? Existe um processo de seleção ou treinamento específico?
Lennize Pereira Paulo: Não existe processo de seleção. Os pacientes nos procuram e, partir daí, temos uma equipe que discute cada caso para verificar o que é possível se fazer. Cada caso é tratado de maneira humanizada por uma equipe.
Ascom: Quais são as metodologias pedagógicas adotadas pela Universidade dos Pacientes para garantir que o aprendizado seja eficaz e envolvente para os/as estudantes pacientes?
Lennize Pereira Paulo: Nós temos uma tradição pedagógica que leva em conta as experiências das pessoas. Então, é uma construção de saberes que são confrontados entre eles e confrontados com o saber institucionalizado da medicina, da farmácia, da genética, de profissionais de saúde que acompanham pessoas vivendo a experiência da doença. Então, eles aprendem sobre as doenças deles, mas também sobre a doença específica do outro e, ao mesmo tempo, tem uma pedagogia onde a narratividade e o encontro das subjetividades são muito importantes.
Ascom: Como a Universidade dos Pacientes adapta seus programas para atender a diferentes perfis de pacientes, incluindo aqueles com necessidades especiais ou condições crônicas?
Lennize Pereira Paulo: Em geral, nossos pacientes são de situações crônicas. Então, tudo já é pensado para essa realidade. Nós nos adaptamos e estudamos. Quando temos um projeto, vamos às associações e aos hospitais e fazemos uma imersão, chamamos às pessoas para nos ensinar e construímos a partir dessas experiências. Mesmo nosso espaço é pensado para necessidades especificas, a necessidade de intimidade para os autocuidados: banheiro exclusivo, uma cozinha equipada, sofás, ventiladores, aquecedores, cobertores. Tudo isso disponível para facilitar os/as estudantes um viver dos cursos e das atividades formativas sem tensão e mais acolhedora.
Ascom: Enquanto pesquisadora, que tipo de impacto tangível observou nas comunidades e nas instituições de saúde após as implementações dos cursos e programas da Universidade de Pacientes – Sorbonne Universidade?
Lennize Pereira Paulo: A universidade começou a se abrir para os/as pacientes. Em 2010, quando ela foi lançada oficialmente, eles não tinham acesso a diplomas porque eram pacientes. Hoje, temos, pelo menos, de acordo com um último rápido estudo que fiz, já tínhamos mais de 24 faculdades que introduziam pacientes, por exemplo, sobre os mais variados temas que vão da educação terapêutica do paciente até o acompanhamento da transição do gênero. Lá já colocaram essas pessoas interessadas. Antes, eram só os profissionais que falavam dessas pessoas. Hoje, elas estão dentro do programa para falarem delas também. Então, em termos universitários, houve um impacto muito grande. No início, todo mundo ria das nossas ações e às vezes atacavam publicamente Catherine, sua fundadora. Hoje todo mundo quer fazer. É um impacto muito grande na sociedade porque as pessoas têm acesso e produzem saberes. Há um outro impacto que é a participação de nossos/nossas estudantes pacientes que depois do diploma atuam nos hospitais, nas formações dos profissionais de saúde e nas pesquisas, propõem dispositivos inovadores que vão muito além do hospital e do sistema de saúde, como o exemplo da criação de dispositivos de acompanhamento do retorno ao trabalho dessas pessoas, que tiveram uma íntima experiência com o câncer.
A França está fazendo um trabalho maravilhoso nesse sentido, graças ao nosso trabalho e das outras iniciativas mundiais, mas fizemos a nossa parte numa época em que ninguém acreditava, ninguém falava sobre a Universidade dos Pacientes. Temos uma experiência de avanço de 15 a 20 anos.
Entrevista realizada por Rozin Daltro/Ascom, com produção e edição de Danilo Cordeiro/Ascom
Fotos: Danilo Cordeiro/Ascom
Veja galeria de fotos da participação da professora Lennize Pereira Paulo na abertura do semestre letivo 2024.2 do PPGEduC