O mundo está entrando na quarta onda de casos da Covid-19. É o que defende a diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Acesso a Medicamentos, Mariângela Simão. Ainda nesse cenário, segue em curso um debate sobre a realização do Carnaval no Brasil, que vivencia a redução da média móvel de mortes pela doença.
Como avaliar essa questão e decidir o que fazer? E se pudéssemos, a partir dos dados já registrados e divulgados pelos órgãos de Saúde (série histórica), identificar as múltiplas ondas epidemiológicas e projetar qual o cenário futuro da pandemia? É exatamente a isso que se propõe o Projeto Hermes, desenvolvido pela UNEB.
E as perspectivas são promissoras. Não por menos, o modelo computacional recebeu nota máxima e menção honrosa da banca examinadora. O responsável pela apresentação foi o estudante Pedro do Rosário, do curso de Sistemas de Informação do Campus I da universidade, em Salvador.
“Eu esperava que o nosso projeto fosse ser elogiado, dado o impacto que ele tem. Porém, o feedback obtido superou todas as expectativas. Prever um cenário futuro pessimista com antecedência e conseguir agir a tempo é, necessariamente, evitar a perda de vidas no futuro. Isso me alegra, sobretudo enquanto estudante de universidade pública, da UNEB, pelo seu viés de apoio social”, celebra Pedro.
Esse é o trabalho de conclusão de curso (TCC) do jovem de 27 anos, desenvolvido sob orientação e coorientação dos professores Leandro Coelho e Diego Frias, do Grupo de Pesquisa em Predições Inteligentes em Métodos Aplicados a Séries Temporais (Pimat), da instituição.
Intitulado “Projeto Hermes: identificação de ondas para análise descritiva e preditiva do quadro epidemiológico da Covid-19”, a iniciativa consiste em um método inovador para a definição de ondas epidemiológicas e de predição da evolução das curvas em diferentes países do mundo.
“O modelo é capaz, por exemplo, de informar por quantas ondas o Brasil já passou, e qual é a estimativa do numero total de infectados nos próximos 20 dias, caso as condições permaneçam as mesmas. Para fins práticos, isso poderia ser utilizado para auxiliar os governos na tomada de decisão sobre as flexibilizações ou outras medidas de enfrentamento à pandemia”, explica o concluinte.
O trabalho é capaz de permitir uma análise padronizada e uniforme, por parte dos cientistas que estudam as epidemias, e desponta para se configurar em um importante instrumento para gestores públicos do Bahia e do Brasil e, também, para pesquisadores da área da Saúde de todo o mundo.
Nota máxima e menção honrosa
O Projeto Hermes foi apresentado em cerimônia virtual realizada pelo Departamento de Ciências Exatas e da Terra (DCET) do Campus I da UNEB, em Salvador, na última segunda-feira (22).
Compuseram a banca avaliadora: os pesquisadores Leandro Coelho, orientador do trabalho e diretor do DCET; Diego Frias, coorientador; Hugo Saba e Magno das Mercês, todos da UNEB; e a diretora de Vigilância Epidemiológica (Divep) da Secretária da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Márcia São Pedro.
A equipe de avaliação contou ainda com os representantes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), Vagner de Souza Fonseca, Walter Massa Ramalho e Silvano Barbosa Oliveira. A apresentação foi aberta ao público e contou com convidados, como o docente do curso de Enfermagem da UNEB Fernando Carvalho, que também colaborou com o Projeto Hermes.
“Este é um trabalho em que vemos a academia aliada ao serviço. É uma plataforma que, para o estado da Bahia, agregará no serviço, agregará para a vigilância epidemiológica. Eu acho que podemos pensar em uma parceria, para a ampliação para todo o estado”, avalia Márcia.
Na cerimônia, os participantes tiveram ainda a oportunidade de testar a primeira versão do Projeto Hermes, disponível em língua inglesa para acesso por meio de qualquer navegador de internet. Foram apresentados os cenários epidemiológicos e as projeções do Brasil e de países como a Índia e Israel.
O trabalho com modelagem matemática de séries temporais foi elogiado também pelo pesquisador Walter Massa Ramalho (OPAS/OMS), que salientou a importância do sistema ser de fácil utilização.
“Precisamos ter também ferramentas user friendly para os tomadores de decisão, que nem sempre são epidemiologistas. Pelo que pude perceber, o Hermes é uma ferramenta muito mais amigável de se explorar do que outras já disponíveis”, destacou o representante.
Diretor do Departamento de Ciências da Vida (DCV) do campus, o professor Magno das Mercês parabenizou o estudante pela fundamentação teórica do trabalho, à luz da epidemiologia, com conceitos bem apresentados. Além de já manifestar interesse para fortalecer as parcerias com o Pimat, o docente revelou estar feliz pela efetiva contribuição de um trabalho de outra área para a saúde pública.
E o reconhecimento dos esforços empreendidos pela equipe não pararam por aí. Experiente pesquisador da UNEB na área da modelagem computacional aplicada ao estudo de epidemias, Hugo Saba registrou que o projeto possui real qualificação para rápido ingresso em Programa de Pós-Graduação: “Espero que você tenha dado um primeiro passo como pesquisador, nesta que é uma caminhada que não tem fim”.
Potencial e trabalho interdisciplinar
O Projeto Hermes já nasce da relação entre diferentes áreas. Tudo teve início com uma provocação sobre a progressão das contaminações pela Covid-19, feita pelo pesquisador Edson Mascarenhas, do curso de Física da UNEB, ao professor Leandro Coelho, de Sistemas de Informação.
Logo, estavam trabalhando juntos, com o Grupo de Pesquisa em Predições Inteligentes em Métodos Aplicados a Séries Temporais (Pimat) e o reforço do docente Paulo Ramos (Física), também recém-associado. Esse movimento fez com que o coletivo se engajasse para a consolidação de uma nova linha de pesquisa, com consultores do DCV.
“Nós suspendemos a execução do outro projeto que tínhamos, que era sobre séries temporais no mercado financeiro. Aproveitamos esse know-how, já que a temática se trata também de séries temporais e os esforços todos foram voltados para a Covid-19, para a gente enfrentar e buscar uma forma de contribuir com a sociedade”, detalha o professor Leandro.
Enquanto isso, Pedro estava em busca de um trabalho de impacto para a conclusão do seu bacharelado. Ao receber o convite do seu orientador, rapidamente colocou-se à disposição e iniciou um trabalho que passaria rapidamente por longas etapas:
– Revisões bibliográficas;
– Definição do escopo do projeto;
– Realização das provas de conceito;
– Construção do modelo;
– Validação do modelo;
– Coleta de resultados;
– Formatação da sua apresentação.
De acordo com o professor Leandro, Pedro já havia sido bolsista de Iniciação Científica (IC) também sob sua orientação. Nesse período, já foi possível avaliá-lo como “um perfil diferenciado, muito comprometido, responsável, interessado e proativo”. Todos os elogios seguem sendo referenciados também pelo coorientador, Diego Frias.
O desafio motivou o estudante e uma frase trouxe certezas para o professor: “ele me falou uma coisa que me marcou muito, que é uma das características do nosso trabalho no curso, como na Universidade como um todo, que é o papel social de um projeto dessa envergadura, da contribuição que poderíamos fazer para a sociedade”.
Para o orientador, o projeto dá visibilidade para a UNEB em um tema de interesse internacional e reforça o potencial que a universidade tem para a ciência e para as produções que são feitas pelos seus quadros para o mundo e em atendimento às demandas da população.
Após meses de trabalho, a apresentação do Projeto Hermes contou sorrisos e lágrimas: “Esta é a finalização de um ciclo de cinco anos na graduação, a concretização das promessas que fiz a pessoas que não se encontram mais conosco, de que iria me formar e que seria sem repetir nenhuma disciplina”, revelou o formando.
Com o reconhecimento de pesquisadores, convites para ampliação da pesquisa e novas perspectivas para Pedro, a cerimônia foi concluída com muitas possibilidades para o desenvolvimento e a aplicação do sistema, para um novo ciclo profissional e a convicção geral de que o jovem cumpriu as promessas que fez.
– ENTREVISTA – PEDRO DO ROSÁRIO (PROJETO HERMES)
Imagens: captura de tela/Microsoft Teams