Fabiana Carelli (USP): “Cada doença constrói diferentes narrativas para os diversos atores do processo clínico”
Pesquisadores do Brasil e do mundo têm promovido esforços acadêmico-científicos para o fortalecimento de um processo de reumanização da Medicina, através das Artes e das Humanidades.
De acordo com a pesquisadora Fabiana Carelli (USP), as iniciativas são fruto da percepção sobre a desumanização promovida pelo domínio da prática médica de cunho estatístico e epidemiológico, baseada essencialmente em evidências (MBE).
Ela, que coordena Grupo de Estudos e Pesquisa Literatura, Narrativa e Medicina (Genam-USP), ministrou hoje (10) minicurso e palestra, em Salvador, a convite da Cátedra Fidelino de Figueiredo da UNEB e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
Influenciada pelos trabalhos do filósofo francês Paul Ricoeur, Fabiana entende a narrativa como elemento vital para o ser humano e, portanto, fundamental para que ele dê sentido a sua existência no mundo, assim como “para a construção das identidades humanas e reconstrução de histórias, de narrativas”.
De acordo com ela, a prática da Medicina pode se aproximar da compreensão de uma obra de arte, na medida em que todos os processos são atos interpretativos, assim, cria-se um espaço para interface entre médicos e os que praticam a interpretação, sobretudo, os pesquisadores da Literatura.
Medicina Narrativa
A pesquisadora ressalta que cada doença constrói diferentes narrativas para os diversos atores do processo clínico. A situação demanda ainda maior consciência das partes quando envolve doenças graves e comorbidades.
“O médico, quando tem um diagnóstico de câncer, também cria uma história para esse paciente. Essa história é o prognóstico, que é baseado em evidências, em estatísticas, não nas pessoas. E se o médico acredita nessa história há grande chance de que o paciente também acredite”, salientou.
Fabiana encerrou sua exposição com um convite para reflexões sobre as mudanças que são promovidas, através de narrativas, na história do indivíduo e de todos à sua volta, frisando que muitas delas estão em curso e não chegaram ao desfecho, portanto, são passíveis de mudanças. “Isso é o saber narrativo”, concluiu.
Veja mais sobre o tema nos artigos:
– Eu sou um outro: narrativa literária como forma de conhecimento
– Hidra de duas cabeças: Configuração ricoeuriana e narrador impuro numa narrativa do HC-FMUSP
Articulação interinstitucional
As atividades protagonizadas pela pesquisadora paulista integraram o Colóquio Interdisciplinar Outras Palavras em Saúde, que está sendo realizado, até amanhã (11), em Salvador.
Integrante da organização do evento, a professora da UNEB Rita Aparecida Santos destacou a homenagem prestada a Fidelino de Figueiredo com a promoção da iniciativa.
“Esse evento faz jus ao patrono da cátedra. Porque ele foi um pensador que escreveu e refletiu sobre diversas áreas, a exemplo da medicina, da história, da crítica literária e do jornalismo”, salientou a pesquisadora, que é também coordenadora da cátedra.
Ainda segundo Rita, o colóquio registra o potencial vanguardista da instituição não só por articular áreas que aparentemente são diferentes, mas, também pela parceria interinstitucional.
“Estamos saindo um pouco de nossas caixinhas e a Bahiana têm sido muito receptiva. Pesquisadores da UNEB e de lá têm se alinhado à percepção desse movimento que está acontecendo no mundo inteiro”, comemorou a professora.
O evento, que conta com o tema Narrativas e Humanização, registra participação de pesquisadores e estudantes das áreas de Letras, Medicina, Urbanismo e Engenharias.
Fotos: Danilo Oliveira/Ascom